Resgate

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Tinham-lhe devolvido o IVA pela mesma via de pagamento e agora o cartão de crédito tinha expirado. Cartão Design, de crédito pré-pago, um produto financeiro da Caixa Geral de Depósitos especial para compras na internet.

Caducado o produto e expirado o Design, gostaria de verter o saldo na conta corrente. O resgate era possível. E chama-se resgate porque se paga por isso.

Uma magra poupança, franzina como um gaiato do Aniki Bóbó, encurralada e cativa. Abandonada à sua sorte, órfã do produto, só voltará para casa se a mãe pagar por isso. Há uma tabela de preços. Nela consta um nome de serviço e um valor associado a cobrar ao cliente do banco. Não há um descritivo, uma lista de ingredientes desta receita para ganhar dinheiro sem que ele exista ou seja nosso.

A criança corre para o regaço da conta corrente mas não sem, antes, perder o dedinho do pé esquerdo na dor do encontro entre um pé descalço e uma esquina de valor mobiliário.

Empurrou a vida a que reclamasse injustiça, esse desacerto entre a lógica e o bem-comum.

Este rapto é  tão ordinário quanto o desacerto. Muitas crias desses braços que trabalham, muito artelho de pé descalço e moral pelo tornozelo, participam numa economia acima das possibilidades reais de ser levada a sério. Declina-se assim o convite para uma faustosa exumação de plástico e sermão ao tráfego de dígitos em divisa digital.

Supunha que a máquina libertaria o homem da escravidão. A suposição ia além do tempo em que restavam homens por trás das máquinas e homens máquina. Maquinar dinheiro que o poder compra o resto? Ou era o versa… se tudo é uma forma de criar dinheiro, suponho que se compre o resto. E deu por si a crer que era capaz de amar tudo apesar de nem tudo poder comprar. Lá se foi a estrada auto-estreita do dinheiro a deus omnipotente.

Sendo assim, fica redigido este apontamento burocrático ultra-conservador, agarrado à moral em que a humanidade prevalece até de joelhos, sobretudo quando a debicam por 2 euros – duas unidades de uma coisa que nunca é a mesma.

Oro. Na língua em lingotes de cordeiro, a prece aos que fazem como quem se cria seu próprio filho. Gerados, incriados, consubstanciais à vida.

Ai, mãe…

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